terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Algo entre nascer e morrer

Nem parecia! Sua vida havia passado assim, sem nem ao menos perceber que já estava de fato vivendo. Se chorou, não foi por muito, e se riu, bom, não deve ter tido muito do que rir. E o gosto de nada nasceu em sua data de nascimento.

Já no seu verão de muitos, cansada de acomodada que era, acomodou-se também à velha praga que há muito lhe percorria.
Eis que naquela tarde, sem o que fazer e como pensar não era de seu costume, encostou-se à janela e ficou apenas olhando, como se já não tivesse olhado a vida toda. Não inquietava-se e isso a intrigou; pude ouvir, como o tiquetaquear dos ponteiros que bateram às três horas cheias da tarde. Arrastou as pernas até a escada e sentiu que não podia subir, passou com custo à cozinha onde embebedou-se de um copo d’água. Não pôde matar sua sede, afinal ela não se havia despertado antes para vida e não era hora para isso.
Pensou em remédios, mas teria que subir um lance de escadas para apanhá-los. Pensou em um banho, mas teria que subir não só um, mas dois lances de escadas para essa segunda opção.

Enfim desistiu, como fez com tudo que lhe exigia um pouco mais de esforço. Deitou-se ali, no chão mesmo, não incomodando-se com o frio exalado do interior quente da Terra. Respirou, suspirou e olhou para o teto onde luzes antecedentes luziam. Não conseguia se concentrar e entrava então numa existência de infindáveis questionamentos. E foi lhe dando uma fome, uma fome de saber de tudo quando já não.

Dormiu, ou fingiu que dormiu, para não ter que admitir estar morta, ela que ora vivia morrendo e ora morrendo vivia. Sentiu pela primeira vez sabor de framboesas e castanhas... Framboezou e castanhou até que secou, como um aspirador que suga o pó sem deixar vestígios de que ali esteve (o que aconteceria quando já não estivesse).
À hora crepuscular, onde a janela fecha e a mãe manda a criança entrar, foi-se, deixando apenas um corpo acomodado e frio, sem sabor e sem textura, exatamente como fora a vida toda. Nem parecia!

domingo, 19 de setembro de 2010

Estranho Saber

Antes de eu te experimentar, já sabia do teu gosto
Antes mesmo de você entrar, ouvi teus passos na escada
Sem te ver, já te queria
Ao te ver, ainda mais te desejei,
Antes de falar-me eu já sabia o tom da tua voz
O teu vocabulário habitava-me.

Espanto meu foi mesmo a descoberta
De uma hilária coincidência [?]
Eu que achava que tudo já sabia, não acreditava em coisas destinadas
Pude com você compreender
Que desde quando você nasceu
Já esperava por mim
Que desde quando eu nasci já esperava por você
Disse-me que não sabia, eu respondi que achava
Completou minha existência
Escalou-me no teu ser!

Confiei-me à sorte de te encontrar, mas afinal eu já sabia.

domingo, 5 de setembro de 2010

Les étoiles sont toujours les mêmes

As estrelas são sempre as mesmas! Descobri que fazem parte de um todo, estão no todo, mas apenas para nos confundir. As estrelas dão voltas no universo... Para a criança do Brasil e para a criança do Japão, há uma imensidão de estrelas que apenas uma só são!
Na verdade, elas confundem nossos olhos, elas brilham ofuscantemente até que enxerguemos um conjunto de uma só, elas me contaram que os olhos puxados estavam puxados para mim. Elas acertaram!
E houve um breve silêncio em minha vida, em minh’alma; senti o escuro e o frio, e como disse uma artista antiga, uma poetisa... Doeu, mas doeu só no começo, pois logo ouvi a sinfonia tocar, senti também a luz vinda daqueles olhos, e o calor daqueles braços!
Enfeiticei-me, afinal o que é ele além de mim mesma quando está nos meus braços? Somos um só, e isso é o que faz de nossos seres só felicidade.

sábado, 4 de setembro de 2010

Será esse o reflexo?

Quando os portadores do meteoro vierem preparemo-nos para recebê-los, preparemo-nos para não cair em revisão. Hoje soube-se que seu advento não muito durará, e que sua vinda vai implicar consequências gravíssimas em nosso planeta! Preparem suas novenas e seus estoques, pois sair ao sol ninguém poderá, nem ousará. Tudo o que se conhece será metamorfoseado, e nada restará que se conheça que não seja em suas lembranças!
Cautela com os horários, obedeça ao toque de recolher, tome suas pílulas de refeição, não deixem que os inimigos portadores do meteoro percebam qualquer afeição ou até mesmo o termo arcaico “amor”, há muito proibido em Grande Terra. É vedado todo tipo de amizade por qualquer ser em Grande Terra. Qualquer demonstração do repulsivo carinho será devidamente castigada e os indivíduos que ainda não compreenderam/absorveram as regras de nosso Grande Mestre pagarão com serviços para a sociedade, se tal ato não der resultado, os indivíduos, com alto percentual de capital ou não, serão enviados à Clínica de Reforço de Consciência de Grande terra! Pedimos que dobrem suas atividades, pois não será permitido estar "fora de forma", até porque devemos nos lembrar da revisão!
Sigam as regras e aprendam a nova linguagem determinada pelo Grande Mestre, não se esqueçam de que ele é supremo e mais inteligente do que todos nós, desprovidos de ensinamentos suficientes para elevados cargos, nós ocupamos os cargos que nos são propícios!
Preparem-se, logo os portadores do meteoro chegarão, sigam todas as regras!
Um viva ao Grande Mestre supremo!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Submissão à realidade

Em algum lugar mãos vazias anseiam por companhia, em algum lugar corpos vazios se vendem constantemente em busca de algo que jamais vão ter!
Há frio e não há nada para aquecer, mas há também um resquício de esperança que vaga por mentes submissas à sua própria realidade!
Sexo, drogas, dinheiro e o que mais? Mais nada! É apenas um frêmito de repulsiva covardia que se passa dia após dia sem recurso para mudar de nome e poder então se chamar realidade. Sucessivamente se repete uma rotina infame que não deixa espaço pra felicidade, deixa apenas as marcas da noite anterior, do cara anterior e de como ele colocou as mãos em você!
Em algum lugar por aí, corpos vazios de mentes vazias se doam aos que têm mais poder aquisitivo e também aos que nada têm, por um trocado furado que com certeza não pode pagar por uma consciência!

sábado, 31 de julho de 2010

Isso ou Aquilo?

Frio ou Calor?
Seco ou Molhado?
Papel ou Árvore?
Grandes construções ou Parques?

Azul ou Cinza?
Pessoas ou animais?
Pasto ou mata?
Menino ou Menina?

Grama ou asfalto?
Beijo ou tapa?
Ar ou a falta dele?
Capa ou Conteúdo?

Aliados ou Eixo?
Fome ou Frio?
Dar ou Receber?
Córrego ou Rio?

Guerra ou Paz?
Céu ou Inferno?
Gosto ou Desgosto?
Madeira ou Ferro?

Amor ou Ódio?
Vida ou Morte?
Deus ou Diabo?
Sexo ou só um amasso?

Isso ou Aquilo?

domingo, 25 de julho de 2010

As estrelas de nossas lembranças

Noite calorosa, salão lotado, gente feliz, bem vestida (à sua maneira), cheiro gostoso de comida saindo quentinha, bebida pra esquentar ainda mais, cores por toda parte e muito brilho também!
Todos esperavam para começar o que tanto havia sido ensaiado, meses e meses de muito ardor e dedicação, mas que agora estava pronto, para ser mostrado e vivido.
Assim que todos estavam bem acomodados e em silêncio a luz baixou, deixando apenas a tênue suavidade entre a escuridão e a luz que logo se fez em filetes pelos corpos que iam entrando no palco. Pouco a pouco estavam todas ali aquelas que estrelariam a noite e que em breve mostrariam aquilo que amavam fazer, dançar!
Foi solta a música e como se fizesse parte da coreografia, todos se arrepiaram ao mesmo tempo! Começando com leves movimentos, as bailarinas tomaram forma mediante a meia luz que então no auge das batidas se fez forte. O silêncio se tornou sorriso, aplausos, olhos brilhando, assovios e felicidade...Realmente aquelas saias, e aquele brilho das odaliscas (verdadeiramente ofuscante!), era encantador, as linhas de seus corpos junto aos movimentos sinuosos faziam delirar a platéia! Eram crianças, jovens e mulheres, ora todas juntas, ora em solo, simplesmente magníficas!
Ao fim da noite, se sabia que o que fora ali apresentado não eram apenas meras coreografias, mas um verdadeiro espetáculo!
Foi apenas uma noite, mas, certamente, foi a noite em que mulheres comuns se tornaram estrelas e que pessoas acostumadas a simples rotinas tiveram prazer em um momento tão caloroso. Aquelas mulheres dançariam até quando pudessem e quisessem, mas fariam parte de lembranças de muitas pessoas, não como simples mulheres, mas como estrelas, para sempre!